Será que o Congresso vai salvar o Brasil do futuro aumento de imposto sobre o jogo?

O setor de jogos de azar virtuais do Brasil foi abalado pelas más notícias das últimas semanas, particularmente depois de o governo ter decretado uma medida provisória para aumentar a alíquota de imposto sobre o GGR em 50%. Em que pese o sucesso no lançamento do mercado em janeiro, o setor enfrentou uma forte oposição por parte de sindicatos, grupos políticos e até bancos, de modo que um aumento de impostos sobre o jogo poderia prejudicar gravemente o crescente setor.
Com apenas seis meses de existência, o mercado virou alvo fácil para resolver problemas orçamentários, como a insistência de Lula de que setores como o do jogo não pagam o suficiente em contribuições públicas.
No momento do anúncio, em 3 de junho, os órgãos de comércio de jogos de azar do Brasil denunciaram a política proposta, alertando-a para o crescimento do mercado negro.
A mudança de política parece simples, na medida em que a alíquota de imposto sobre o jogo aumentará de 12% para 18% da GGR para todos os operadores, mas o raciocínio por trás da mudança é complexo e o processo para a política a ser promulgada está envolto em ainda mais incerteza
João Rafael Gandara, advogado tributário do escritório Pinheiro Neto Advogados, diz à iGB que a política pode nem sequer ser aprovada, já que deve ser promulgada no prazo de 60 dias após a liberação do projeto de lei pelo Senado. O prazo pode ser estendido por mais 60 dias, portanto, 120 dias no total.
Ele também acredita que o setor poderia se aproveitar da recente pressão do Congresso contra grandes aumentos de impostos no país.
Como é que chegamos aqui?
O governo sugeriu mudanças no sistema tributário do país no final de maio, quando anunciou planos polêmicos para aumentar a alíquota de imposto sobre transações financeiras (IOF) de 0,38% para 3,5%.
O IOF foi introduzido no Brasil como uma política monetária pelo governo, para ajudar a controlar os mercados financeiros. O IOF deve ser pago em transações estrangeiras, como empréstimos, câmbio, seguros e investimentos. Trata-se de um grande contribuinte da arrecadação fiscal do governo.
Quase imediatamente, a medida enfrentou a pressão do Congresso, o que levou o governo a rapidamente descartar o decreto de aumento do IOF.
Mas o atual governo, liderado pelo presidente Lula, tem planos de diminuir significativamente o déficit do Brasil até ao final de 2025, antes de uma eleição no próximo ano. Então, no lugar de aumentar a IOF, o governo buscou no setor de apostas a ajuda para tapar um buraco de R$ 20 bilhões. Outros setores, como a agricultura, também estão enfrentando aumentos de impostos para ajudar a equilibrar o orçamento.
Aumento de imposto entrará em vigor dentro de 90 dias, mas pode ser revogado pelo Congresso
João Rafael acredita que a política pode acabar sendo descartada se as medidas provisórias não forem aprovadas pelo Congresso dentro de uma janela de 120 dias. No entanto, apesar de não ter sido formalmente votada pelo Congresso, a medida provisória teve efeito legal imediato em junho. O aumento da alíquota de imposto será implementado 90 dias após a publicação do decreto. Isso significa que, se a medida não passar a ter caráter permanente após 120 dias, todos os impostos recolhidos após a marca de 90 dias devem ser devolvidos aos operadores.
João Rafael cita exemplos recentes em que o Congresso agiu rápido para rejeitar medidas provisórias, o que poderia dar uma ponta de esperança para o setor de jogos após a resposta extremamente negativa ao aumento de impostos e uma percepção geral negativa das políticas fiscais do governo.
“Tivemos um precedente recente, no ano passado, em que o presidente do Congresso fez a devolução imediata [de uma política], dizendo ‘não tem chance de ser aprovado e eu nem mesmo darei início aos procedimentos legais, portanto, rejeitaremos imediatamente [essa medida provisória]’.
E isso normalmente acontece quando ele tem a maioria do Congresso o apoiando. Esse foi [o resultado] da última vez que tivemos esse tipo de problema.”
A política em questão era uma medida provisória que limitava a capacidade das empresas de usar créditos fiscais e que extinguiu os reembolsos em dinheiro dos créditos presumidos.
Sinais positivos para o setor de apostas
Na semana passada, a Câmara dos Deputados deu status de urgência a um projeto de lei que anularia os efeitos do decreto do governo sobre o IOF. Isso significa que ela não passará por nenhum comitê parlamentar antes de ser votada.
Esse é um novo indicador de que o Congresso não apoia os esforços de aumento de impostos do governo para tentar reduzir seu déficit.
João concorda que o governo está seguindo o caminho errado para eliminar o déficit, tendo como alvo um setor de jogos de azar “claramente sobrecarregado”, que ele acredita ser um “alvo fácil” devido à sua atual reputação negativa.
“Penso que em todo o mundo, como nos EUA e na Europa, os governos estão cortando despesas”, explica João. “A outra [opção] é aumentar os impostos.
“O governo precisa cortar despesas e sabe que é uma discussão difícil [de se ter], por isso a evita e, na verdade, está visando a quem puder. [O jogo é um] novo setor e eles estão recebendo uma renda regular, não são os vilões da história”.
João diz que a tributação é um tópico particularmente contestado no Brasil, que continua a dominar as manchetes nacionais, enquanto em outros lugares, o presidente dos Estados Unidos, Trump, e os conflitos no Oriente Médio estão ocupando as manchetes.
Como a política de aumento de impostos do governo é tão controversa, ele acredita que uma resposta efetivamente formulada pelo setor de jogos de azar poderia derrubar a política provisória.
“Os [impostos] são realmente um tema polêmico e acho que o governo terá muita dificuldade para [convencer] o Congresso”, acrescenta.
“Portanto, talvez se houver uma estratégia muito bem-organizada, explicando ao Congresso que esse tipo de tributação pode realmente prejudicar [o setor] e a estratégia mais ampla do governo, talvez eles consigam fazer com que a política seja rejeitada.”
Tributação excessiva expulsará empresas
João cita a Curva de Laffer, um gráfico amplamente conhecido que mostra que, se uma alíquota de imposto for elevada demais, os recursos arrecadados começarão a cair à medida que as empresas deixarem o país ou os consumidores recorrerem a ofertas ilegítimas para evitar pagar mais por um produto ou serviço.
“Há um ponto ideal”, diz João. “Se você for além disso, não estará mais coletando impostos porque ou as empresas deixaram o país ou todos estão no mercado negro.”
“O que o governo deveria fazer é o oposto, apresentando um imposto razoável para que eles tenham essa arrecadação ideal e você tenha outras empresas entrando [no mercado]”, conclui.