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O Brasil pode se opor às iminentes restrições de anúncios de bets?

| By Kyle Goldsmith
Juristas temem que a representação fragmentada do setor nas associações comerciais prejudique sua luta contra as restrições pendentes de anúncios de bets.
Brasil anúncios de bets

Uma nova onda de restrições de anúncios de jogos bets está por vir no Brasil, após a aprovação do Senado do Projeto de Lei 2.985/2023 em maio. Isso provavelmente aumentará a série de desafios enfrentados pelos operadores desde o lançamento do mercado regulamentado de apostas online do Brasil, em 1º de janeiro. 

Embora o relator do projeto de lei, senador Carlos Portinho, tenha retirado da proposta uma proibição generalizada de anúncios de bets, o projeto de lei aprovado inclui a proibição de anúncios de bets durante transmissões desportivas ao vivo. O uso de celebridades, influenciadores e atletas em qualquer material de marketing também será proibido, com a proibição apenas se aplicando a jogadores atuais ou aqueles cuja carreira terminou há menos de cinco anos. 

Mediante a aprovação do projeto de lei alterado pela Comissão de Esportes e o Senado, ele segue para apreciação na Câmara dos Deputados. 

A nova lei provavelmente não entrará em vigor até 2026, diz Udo Seckelmann, head de gambling e crypto do escritório de advocacia local Bichara e Motta Advogados. Udo diz que está aliviado que a proibição geral “desproporcional” foi eliminada, embora advirta que o esforço por novas restrições “carece de apoio baseado em evidências”.

“As motivações, embora bem-intencionadas, devem ser ponderadas contra os resultados do mundo real – e as evidências sugerem que a regulamentação informada e responsável é mais eficaz do que a proibição”, explica Udo. 

A regulamentação de anúncios de bets no Brasil é suficiente

A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) publicou a Portaria 1.231, em julho do ano passado, estabelecendo como os operadores licenciados poderiam anunciar seus produtos. Os regulamentos incluíram restrições sobre os operadores que apresentam apostas como “socialmente atraentes” ou que usam anúncios para direcionar crianças ou adolescentes. 

Além disso, toda a publicidade das operadoras licenciadas foi obrigada a exibir um símbolo de “18+” e a ser orientada pela responsabilidade social e pela promoção do jogo responsável. 

O advogado Luiz Felipe Maia, sócio fundador do Maia Yoshiyasu Advogados, acredita que as restrições atuais à publicidade são adequadas, especialmente com o Brasil apenas tendo regulamentado seu setor de iGaming. 

“Acho que a regulamentação atual é suficiente para proteger as pessoas, e elas são coerentes com essa etapa do mercado, porque o Brasil acaba de se tornar regulamentado”, diz Felipe Maia à iGB. “Quando você tem um novo mercado regulamentado, é importante permitir que os operadores regulamentados façam propaganda e se tornem conhecidos do público, para que você possa direcionar o público para esses operadores regulamentados. Acho que é [importante] que não tenhamos tantas restrições, como em outros mercados regulamentados, mas mais maduros.” 

Fellipe Fraga, diretor de negócios da operadora licenciada EstrelaBet, concorda que os regulamentos atuais são suficientes. “Eu acredito que é o suficiente”, diz Fraga. “O mais importante é ter consciência. Os políticos e outros reguladores entendem que o mercado está bem [como está] e todo o mundo está fazendo [apostas online], para que também possamos anunciar.” 

Por outro lado, o CEO da Betsul, Fernando Garita, tem interesse que a regulamentação de publicidade tenha uma definição mais clara. Fernando está pedindo clareza e consistência da SPA: “É preciso um melhor equilíbrio, que permita mensagens responsáveis sem sufocar atividade comercial legítima.” 

Fiscalização é prioridade 

Embora, no geral, o setor licenciado esteja satisfeito com as restrições atuais de anúncios, muitos investidores estão pedindo uma fiscalização mais rigorosa, especialmente quando se trata de publicidade de influenciadores, que no ano passado se tornou o assunto da moda no setor e na mídia nacional.  

O jogo “Fortune Tiger” foi alvo de várias polêmicas no ano passado. Influenciadores foram investigados e, em alguns casos, presos, depois de comercializar o jogo para seus seguidores e promover recompensas financeiras atraentes. Muitos jogadores acabaram perdendo grandes somas de dinheiro jogando em sites fraudulentos. 

Desde o escândalo, a SPA tomou medidas para restringir ainda mais a publicidade de influenciadores. A personalidade da internet Virgínia Fonseca compareceu à CPI das bets em maio para ser questionada sobre a publicidade de jogos para a sua enorme quantidade de seguidores na internet. 

Felipe Maia acredita que a SPA deve reprimir quem infringir os regulamentos em vigor. “Acho que se começarmos a ter esses casos em que influenciadores digitais serão responsabilizados, terão que pagar multas e talvez ser presos por trabalhar com operadores ilegais ou não cumprir regras de publicidade, vamos começar a ver comportamentos diferentes”, insiste. 

O excesso de regulamentação corre o risco de fortalecer o mercado negro 

O setor de bets brasileiro, de longe, não é o único mercado que sofre pressão sobre sua publicidade de jogos de azar. Basta olhar para outros mercados mais maduros para perceber que é compreensível que haja receio quanto às consequências de restrições ainda maiores. 

A Alemanha, onde quase metade de todos os jogadores apostam com o mercado negro, tem uma proibição de TV e publicidade online entre as 21h e as 6h, bem como restrições à exibição de clipes esportivos em anúncios e parcerias com personalidades esportivas. 

A Itália, que tem uma proibição geral da publicidade de bets, está enfrentando sérios problemas no mercado negro, enquanto a nossa vizinha Argentina também tomou medidas para introduzir uma proibição da publicidade de apostas online. 

Com operadores licenciados no Brasil já preocupados com a presença do mercado negro, a indústria teme que regulamentações mais rigorosas sobre publicidade só fortaleçam as empresas ilegais, como visto em outras nações. 

“A experiência de países como a Itália mostra que o excesso de restrições e impostos elevados podem ser um tiro pela culatra”, explica Fernando. “As proibições gerais reduziriam significativamente a visibilidade das operadoras regulamentadas, enquanto as ilegais continuariam a prosperar por meio de canais não controlados, como o Telegram. 

Se um mercado se tornar regulamentado com muitas restrições para publicidade, basicamente você estará prejudicando a canalização e ajudando o mercado negro”, acrescenta Felipe Maia. 

Os anúncios de bets ajudam a identificar operadores legais 

Na verdade, a publicidade é uma ferramenta de extrema importância para que as operadoras demonstrem que têm uma licença e canalizem os apostadores para ofertas legais, principalmente nos estágios iniciais do desenvolvimento de um mercado licenciado, quando a concorrência entre as marcas é acirrada e a fidelidade do jogador ainda não foi estabelecida.  

Com a exigência de que a publicidade das operadoras licenciadas tenha o símbolo “18+”, bem como informações sobre os riscos associados ao vício e aos transtornos patológicos do jogo, Fernando afirma que o papel da publicidade na distinção entre operadoras legais e não licenciadas é “crucial”. 

Segundo ele: “A publicidade é uma das poucas ferramentas voltadas para o público que temos para demonstrar que operamos legalmente.  

Isso nos permite construir confiança, promover a segurança, educar os usuários e mostrar que trabalhamos dentro de uma estrutura regulada. Eliminar essa visibilidade desfoca as linhas entre operações legais e ilegais, o que representa um grande risco para os consumidores.” 

E mesmo que a publicidade esclareça essa distinção, mercados como a Suécia descobriram que uma alta porcentagem de jogadores ainda não consegue distinguir as operadoras legais das marcas do mercado negro.  

O que está por trás da percepção negativa do público sobre os jogos de azar?  

Em 2024, houve uma expressiva pressão sobre o setor de jogos de azar no Brasil, durante um período crucial da construção da regulamentação. Uma audiência no Supremo Tribunal Federal em novembro foi realizada, por conta das acusações de inconstitucionalidade das novas leis de apostas feitas por um importante sindicato, em meio a temores de que as apostas levem a altos níveis de dependência e dívidas familiares. 

Mas quatro meses após o licenciamento das apostas, a opinião pública sobre o assunto parece estar melhorando, e em abril uma pesquisa pública realizada pelo DataSenado informou que 60% da população é a favor da legalização dos cassinos. Parte da frustração do setor está na crença de que os políticos estão respondendo a pressões públicas, em vez de dados e experiências globais do setor que provam por que as restrições de anúncios podem ter consequências indesejadas. 

Mas alguns políticos, particularmente o relator do novo projeto de lei sobre restrições à publicidade, adotaram uma retórica negativa sobre o jogo, insistindo que ele prejudica a saúde pública e as finanças.  

Câmara de eco política

Felipe Maia acredita que não há, de fato, uma percepção pública negativa sobre os jogos de azar no Brasil e afirma que os políticos estão simplesmente repetindo os temores de grupos específicos. “Basicamente, eles estão respondendo às suas câmaras de eco”, diz ele.  

“Se são religiosos, estão respondendo aos grupos que representam. Se são mais conservadores, estão dizendo [essas coisas] porque isso ecoa bem para o público deles. O que você tem é uma abordagem oportunista de alguns políticos para usar isso para fins de propaganda.” 

A situação é complicada ainda mais pela longa história de proibição do jogo no Brasil, quando o setor foi jogado à ilegalidade em 1946. Isso resultou numa falta de compreensão política.  

“Estamos tentando fazer com que eles entendam e, é claro, no Brasil, com 80 anos de proibição cultural de jogos de azar, eles ainda não sabem realmente o que nosso setor faz, o que você pode oferecer ao país”, diz Felipe Fraga. “Para nós, é um processo de ensinar, explicar [como nosso setor funciona] e evitar esses entendimentos, porque muitos desses [projetos de lei] estão versando sobre equívocos.” 

Qual é a solução? 

Em última análise, uma resposta eficaz do setor de apostas ao Projeto de Lei 2.985/2023 poderia ser prejudicada pela representação fragmentada do setor. 

De acordo com Felipe Maia, são cinco as associações comerciais que representam as empresas de apostas, causando uma falta de coordenação e provavelmente um enfraquecimento da resposta do setor a qualquer excesso de regulamentação. 

“Eu recebi esta queixa de um parlamentar. O que eles dizem é que é muito difícil lidar com essa indústria, porque eles conseguem diferentes contribuições de diferentes associações e depois não sabem em quem confiar”, declara Felipe Maia. 

Para Fernando, o caminho é pela colaboração. Ele concorda que com a existência na fragmentação na representação da indústria e que isso complica a construção de uma resposta eficaz. 

“Os esforços de lobby e a ação coletiva de operadores e associações responsáveis serão cruciais”, acrescenta Fernando. “Precisamos de unidade e coordenação para defender interesses comuns.” 

Durante a audiência da Comissão do Esporte para aprovar o Projeto de Lei 2.985/2023, em 28 de maio, o senador Portinho disse que as mudanças foram necessárias devido à incapacidade do setor de policiar suas próprias atividades publicitárias.   

Felipe Maia recomenda que as operadoras se autorregulem sempre que possível, para provar que são bons atores. “Acho que a autorregulação mostra responsabilidade social, maturidade. E isso permite que você venha com soluções que funcionam para a indústria antes que alguém venha com uma ideia que não vai funcionar”, diz ele. 

Momento crítico se aproxima 

Como explica Udo, uma abordagem assertiva, mas construtiva, às regulamentações de publicidade poderia ajudar a atenuar a opinião negativa dos políticos. “É essencial enfatizar que a publicidade, quando feita de forma responsável, desempenha um papel fundamental na canalização dos usuários para operadores licenciados e seguros e no afastamento de sites ilegais”, reitera. 

Da forma como está, quem busca restringir o jogo parece estar vencendo a batalha, especialmente com a atual incapacidade do setor de construir uma resposta coletiva, baseada em dados, que alerte efetivamente contra os perigos da regulamentação excessiva da publicidade observada em outros mercados. 

O argumento do setor é claro: Medidas excessivamente restritivas sobre anúncios neste momento da jornada da regulamentação dos jogos online do Brasil podem ser desastrosas e expulsar os atores do setor licenciado. 

Enquanto a Câmara dos Deputados, etapa posterior ao Senado, se prepara para avaliar o Projeto de Lei 2.985/2023, o setor de apostas do Brasil deve agir com celeridade para se defender contra as percepções que ameaçam prejudicar os avanços do mercado legal.

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